2 de abril de 2013

OS OBJETIVOS DO SER HUMANO

Swamini Pramananda Saraswati e Sri Dhira Chaitanya

As quatro categorias da busca do ser humano

O ser humano se vê como uma pessoa que deseja. Suas buscas constantes e compulsivas mostram, com evidência, essa necessidade de querer algo o tempo todo. Para fugir desse sentimento de necessidade, ele luta por um grande número de coisas na vida. Esses desejos caem dentro de quatro grandes categorias: dharma, ética, artha, segurança, kama, prazer, moksa, liberação.

Todas essas quatro categorias são coletivamente chamadas de purushartha, o que significa aquilo que é desejado pelos seres humanos. Esses são os objetivos pelos quais purusa, o ser humano, deseja e luta. As quatro buscas básicas do homem podem ser subdivididas em dois grupos. Um grupo, a busca pela segurança e pelo prazer, artha e kama, é comum a outros seres vivos; o outro grupo, o esforço em harmonia com a ética, dharma, e a busca pela liberdade, moksa, é peculiar aos seres humanos.

O segundo grupo de buscas acontece porque o ser humano é uma pessoa autoconsciente, com uma mente evoluída. Um ser autoconsciente é um pensador com capacidade de alcançar conclusões sobre si mesmo. Essa capacidade levou o ser humano à possível conclusão: Eu sou um ser limitado, incompleto, que tem que lutar pelas coisas que, espero, me tornarão completo.

Artha - Segurança

Artha, uma das duas buscas, é compartilhada com todas as criaturas e é válida para todas as formas de segurança na vida: riqueza, poder, influência, fama, nome. Todo ser vivo procura a segurança na forma que lhe é peculiar. Animais, pássaros, peixes, insetos, até plantas e micróbios, todos procuram segurança. O abrigo é procurado. A comida é estocada. O cachorro enterra seu osso. A abelha enche o seu favo de mel. A formiga abre tunéis na terra para estocar os grãos. Todas as criaturas têm um sentimento de insegurança. Eles, também, querem se sentir seguros. Apesar disso, suas atitudes e comportamentos são governados por um instinto interno. Seu sentimento de insegurança não vai além. Eles não se sentem incomodados incessantemente por segurança. Portanto, a luta do animal por segurança é contida, ela tem um fim. Por outro lado, para o ser humano, não existe fim para o querer e para a luta.

A luta do homem para preencher esse sentimento de querer é infindável e pode ser comprovada analisando experiências. Se é dinheiro que eu desejo acumular, acho que nunca tenho dinheiro suficiente. Não importa quanto dinheiro eu ganhe, nunca é suficiente para que eu me sinta seguro. Eu, então, procuro a segurança no poder e influência, gastando na compra de poder, o dinheiro que tinha previamente lutado para acumular. Não que eu tenha passado a dar menos valor ao dinheiro, mas passei a dar um valor maior ao poder. Estou procurando segurança através de poder. A luta pela riqueza, poder e fama é sem fim, todas essas lutas são lutas por segurança porque eu sinto que sou inseguro. Por ser um ser autoconsciente eu tenho a capacidade de me sentir inseguro; eu acumulo bens, mas esse acúmulo não me faz sentir seguro. O ganho nunca é suficiente. Sou sempre impelido a procurar diferentes tipos de segurança num esforço fútil de criar alguma condição na qual eu possa me julgar em segurança.

Kama

Kama engloba muitas formas de prazeres sensoriais. Todas as criaturas procuram o que é prazeroso através dos sentidos que lhe são disponíveis. A procura do prazer para as criaturas não humanas é definida e controlada pelo instinto. Esses seres procuram diretamente e simplesmente aquilo para o qual estão programados para desfrutar. Esse desfrute não é complicado por filosofias ou autojulgamento. Um cachorro ou um gato come aquilo que lhes apetece até que se saciem, despreocupados com colesterol, ganho de peso, pesticidas ou a qualidade de louça em que a comida é servida. O prazer começa, acaba e é limitado àquele momento, de acordo com a programação do seu instinto.

A procura pelo prazer no ser humano é mais complexa. Os desejos humanos são comandados tanto pelo instinto como por um sistema de valores pessoais. Os desejos comandados pelo instinto, como qualquer ser vivo, são complicados pela habilidade humana de alimentar uma vasta gama de desejos pessoais e mutáveis. Como qualquer outro ser humano, eu vivo num mundo particular e subjetivo onde posso ver os objetos como desejáveis, indesejáveis ou indiferentes.

Quando examino minha atitude em relação a esses objetos, eu vejo que o que é desejado por mim, não é desejado por mim o tempo todo, em todos os lugares. E vejo também que o que eu desejo não é, necessariamente, desejado por outras pessoas. Meus desejos mudam. O tempo condiciona o desejo. O lugar condiciona o desejo. Os valores individuais condicionam o desejo.

Consideremos uma venda de itens usados, onde vendemos para outras pessoas coisas que não queremos mais, porque o que eu antes considerava valioso é agora desprezado por mim, mas pode ser valorizado por outros. O que outros desprezam eu posso achar valioso. Às vezes, o que eu vendi como algo desnecessário, posso, depois, em uma nova circunstância ou atitude, considerar desejável novamente. À medida que o tempo passa, algo que eu agora valorizo perderá o valor para mim e eu estarei pronto para organizar uma nova venda de itens usados.

Essas mudanças de valor, que são a causa dos objetos serem considerados desejáveis, indesejáveis ou indiferentes, também ocorrem e afetam as atitudes em relação às pessoas, idéias, ideologias, situações e lugares. Todos são sujeitos a se tornarem desejáveis, indesejáveis ou indiferentes. Carros velhos, casas velhas, mobília velha, até um marido ou mulher velhos variam de status. A mudança acontece todo o tempo. Valores subjetivos não permanecem os mesmos. Quando os valores mudam, os gostos e aversões mudam; os gostos e aversões ditam os prazeres que buscamos. Parte da busca pelos prazeres é evitar o que nos causa desprazer.

Tanto os animais como os seres humanos lutam para obter prazer e evitar o que não é agradável. A diferença é que aquilo pelo qual o homem luta não é definido e limitado por um padrão pré-determinado, mas ditado pelos valores flutuantes, valores que estão sempre mudando e que o mantém sempre lutando.

As Escolhas Humanas Requerem Padrões Especiais

Pelo fato da luta por segurança e prazer não ser controlada impulsivamente e sim por valores pessoais mutáveis, faz-se necessário para o ser humano ter uma série de valores que governe seus valores subjetivos e mutáveis. Deve-se ter um conjunto de padrões que sejam independentes e não subservientes ao conjunto subjetivo de valores que determinam os gostos e aversões.

Já que eu tenho a capacidade de escolha, devo ter certas normas controlando minhas várias ações para obter o que desejo. Não sendo pré-programado, o fim não pode, para mim, justificar o meio. Eu tenho escolha sobre ambos os meios e os fins. Não somente o fim deve ser escolhido em conformidade com os valores, mas também o meio para chegar até esse fim deve ser escolhido de acordo com o que é adequado. Esse conjunto especial de valores que controlam a escolha da ação é chamado de ética. A luta do homem por segurança e prazer deve estar de acordo com valores éticos. Valores éticos guiam você para ter consideração com as necessidades do seu vizinho. Escolhendo os meios para obter aquilo que desejo obter, preciso levar em conta as necessidades dos meus vizinhos também. Eu não posso querer alcançar os meus objetivos, indiferente às necessidades do meu vizinho. Eu devo valorizar as necessidades dele assim como as minhas.

Os Animais não Precisam de Ética

Para os animais, a questão de ética não se aplica. Eles têm pouca escolha sobre a ação que não seja programada. Ações controladas pelos instintos, não sujeitas à escolha, não criam problemas éticos.

Não há méritos para a vaca, que é vegetariana, nem deméritos para o tigre, que come a vaca. Mas o ser humano, com sua capacidade de escolha, deve primeiro escolher o fim que ele deseja e depois o meio para alcançar esse fim. Exercita-se o poder de escolher os seus objetivos em relação a uma infinidade de coisas: comida, maneira de vestir, estilo de vida. "Meu jeito!" proclama essa individualidade.

No Ocidente, parece haver também um valor para a escolha que é chamada de espontânea, mas que na verdade é impulsiva. É bom que haja muitos meios e fins diferentes para escolher; isso torna a variedade de escolhas colorida. No entanto, escolhas impulsivas ou a escolha do meio através do qual se alcança algo, simplesmente porque esse meio é fácil e conveniente, pode resultar em passar por cima dos direitos do vizinho, tirando sua segurança ou causando-lhe sofrimento.

A Fonte da Ética: o Bom Senso

Descobre-se a fonte dos valores éticos, observando-se como se quer que os outros se comportem em relação a você mesmo. Valores éticos são baseados na apreciação do bom senso de como se quer ser tratado. Eu não quero que outros se utilizem de má fé (ou usem qualquer outro meio desagradável) e tirem de mim aquilo que eu quero. Por conseguinte, a ausência de má fé se torna um valor a ser observado em relação aos outros, enquanto eu busco os meus fins. Os fins e os meios que eu quero (ou não quero) que os outros escolham, estabelecem um padrão para mim, pela maneira com que essas escolhas me afetam. Por esse padrão, eu julgo os fins e meios que escolho, um padrão que leve em consideração o impacto das minhas escolhas nos outros. Tais valores abrangem a ética do bom senso, que é reconhecida e confirmada por um texto sagrado, numa doutrina ética mais completa, religiosa em sua natureza, chamada dharma.

A Interpretação dos Regulamentos Éticos

A ética do bom senso são as regras do "faça, não faça", baseadas em como se quer ser tratado. Quando a base da ética é entendida, torna-se claro que possa haver circunstâncias que justifiquem a interpretação ou a suspensão de um determinado padrão.

Todos querem que se fale a verdade. Essa é a base para a ética universal: "Fale a verdade, não minta". Mas considere um médico no caso de uma paciente doente gravemente, cuja recuperação é incerta; um paciente cujo estado mental é fraco e depressivo. Se, na opinião do médico, o conhecimento completo da gravidade do seu estado pode colocar em risco as chances de recuperação desse paciente, deve o médico seguir a exigência ética de falar a verdade? Provavelmente não. Nessas circunstâncias, falar a verdade é sujeito à interpretação, levando em consideração todos os fatores envolvidos. Da mesma forma, a ética de não causar dano não impede o trabalho da faca do cirurgião nem do motor do dentista.

Ser Ético é Ser Completamente Humano

Não é necessário ser religioso para ser ético. Os padrões éticos que regem os meios certos e os errados para alcançar segurança e prazer são baseados no bom senso e uma pessoa não-religiosa pode ser completamente ética por padrões do bom senso.

Um ser humano, tendo desenvolvido uma mente altamente consciente, tem a capacidade de fazer escolhas não programadas e de refletir sobre as conseqüências de suas escolhas. Essa capacidade produz suas diretrizes éticas. Ser completamente humano é utilizar essas diretrizes no exercício da escolha.

Errar moralmente é também um comportamento humano. Animais, até o ponto que se sabe, não cometem erros éticos. Não parece haver uma categoria ética controlando a busca de artha e kama nos animais. Não é necessária porque os animais não têm escolhas éticas não programadas. Mas o ser humano pode escolher meios errados para chegar a seus objetivos. Com uma mente capaz de racionalizar, ele sempre pode abusar da liberdade de escolha dada a ele; ele pode ignorar os padrões éticos do bom senso. Quando isso acontece, ele não cumpre o seu papel como um ser humano na sociedade. A sociedade estabelece regras para prevenir e aliviar o sofrimento que tal abuso de liberdade de escolha pode causar aos outros. Leis civis e criminais procuram controlar o abuso das escolhas.

O Que a Ética Religiosa Acrescenta

Algumas vezes alguém pode ser esperto suficiente para abusar da liberdade sem, porém, transgredir as leis dos homens, ou pelo menos, não ser pego por esse comportamento. Nesse momento, entra a ética religiosa. A ética religiosa confirma a ética do bom senso.

Podem existir mais considerações éticas, mas, definitivamente, não podem existir éticas básicas diferentes. A ética religiosa confirma a ética do bom senso e acrescenta algumas outras coisas.

A ética religiosa geralmente diz: pode-se enganar um ser humano e escapar das mãos da lei, mas ninguém pode fugir dos resultados de suas ações. Os resultados vão alcançar a pessoa de alguma forma, agora ou depois.

A ética religiosa normalmente também acrescenta alguns deveres e impõem mais proibições baseadas não apenas no bom senso, mas em alguma tradição religiosa ou revelação de um texto sagrado. Não é necessário seguir essa ética religiosa especial para se tornar um santo. Seguir a ética do bom senso já é suficiente.

A ética religiosa chamada de dharma, encontrada nos Vedas, confirma os padrões do bom senso, especificam outras regras e acrescentam o conceito de punya e papa, resultados das ações boas ou más, agora ou depois.

De acordo com o dharma, a ação do homem tem um resultado que não é visto, assim como um resultado imediato, tangível. O resultado não visto da ação é depositado na conta daquele que faz a ação, de forma sutil, e com o tempo frutificará de maneira tangível para ele, como uma boa ou má experiência, algo prazeroso ou doloroso. O resultado sutil da boa ação, punya, frutifica como prazer, o resultado sutil da má ação, papa, frutifica como dor. Papa pode ser traduzido como pecado. O pecado é a escolha de um objetivo errado ou de um meio errado na busca de um fim aceitável. Essa escolha trará um resultado indesejado, o tipo de resultado que aquele que faz quer evitar que aconteça. O pecado é pago em termos de experiências indesejáveis. A palavra punya não tem um bom equivalente em inglês nem em português. Indica uma boa ação que depois trará uma experiência desejada, algo prazeroso.

O Ranking na Luta das Quatro Categorias da Busca Humana

Dharma ocupa o primeiro lugar nas quatro categorias dos objetivos humanos porque a busca de artha e kama precisa ser governada por valores éticos. Artha, a luta por segurança, vem em segundo, porque o maior desejo de todos é viver. Todos são obedientes nas mãos do médico que maneja um bisturi ou de um barbeiro com uma navalha, porque todos querem viver. Depois da vida garantida, queremos ser felizes e então buscamos o prazer. Todos querem viver e viver felizes, e ambas as buscas, a busca por segurança e a busca por prazer devem ser governadas pela ética.

A última categoria, o objetivo de liberação, moksa, está em último lugar porque se torna uma busca apenas para aqueles que entenderam as limitações inerentes das três primeiras buscas.

Tudo em seu devido lugar: Moksa

Moksa, como dharma, é uma busca peculiar do ser humano, que não é dividida com outras criaturas e mesmo entre os seres humanos não é geralmente difundida. Liberação é uma preocupação consciente apenas para poucos. Esses poucos reconhecem que aquilo que buscam não é mais segurança ou mais prazer, mas liberdade, liberdade de todos os desejos.

Todos têm momentos de liberdade, momentos quando se sente que tudo está em seu devido lugar. Quando tudo está no lugar, eu estou livre. Em momentos passageiros, a liberdade de tudo estar no lugar é uma experiência comum para todos. Às vezes a música causa esse sentimento, outras vezes pode ser a realização de um desejo intenso. Com a apreciação de algo belo, às vezes se tem a experiência de tudo estar no lugar. Essa experiência é evidenciada por não se querer nada diferente das circunstâncias daquele momento.

Quando eu não quero que nada seja diferente, eu sei que tudo está em seu devido lugar; eu conheço a satisfação. Eu não preciso fazer nenhuma mudança para me tornar feliz. Nesse momento eu sou livre, livre da necessidade de lutar por qualquer mudança em mim mesmo ou nas circunstâncias. Se eu tenho a experiência de tudo estar no seu devido lugar permanentemente, não precisando nenhuma mudança em nada, então a minha vida estaria pronta, a luta terminaria.

A busca por moksa é a busca direta dessa liberdade que cada um já experienciou em breve momentos quando tudo está no seu devido lugar.

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Do livro Purna Vidya - Vedic Heritage Teaching Programme Part 10
Human Development and Spiritual Growth
Swamini Pramananda Saraswati e Sri Dhira Chaitanya
Disponível pelo Vidya Mandir ou pelo site www.purnavidya.org

Tradução de Angela Andrade
Fonte

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