“Pensemos em um estudante medíocre de filosofia que pede uma carta de recomendação a seu professor. Este, sem querer elogiá-lo, mas ao mesmo tempo sem querer omitir a verdade, escreve uma carta recomendando o aluno por sua excelente caligrafia. O leitor da carta certamente se surpreenderá pelo elogio de uma qualidade não relacionada diretamente à área do estudante e em grande parte irrelevante. O elogio a algo sem importância causa a implicatura de que não há nenhuma outra qualidade a ser destacada e que, por conseguinte, não se trata de um estudante de filosofia recomendável.”
O trecho acima foi retirado do livro A Pragmática na Filosofia Contemporânea, de Danilo Marcondes, pg. 31, como um resumo do pensamento do filósofo Henry Paul Grice. Trata-se de um pensamento dentro de uma área da filosofia da linguagem chamada de pragmática, que dentre outras coisas, e para simplificar, tenta levar em consideração as intenções de quem faz o discurso ao interpretar seu significado.
O leitor que é mais esperto com certeza se perguntará: “mas o que isso tem a ver com leitura de mentes?”
É notável quando se participa de debates pela internet a existência de pessoas gostam de acusar seus adversários de usar uma suposta falácia chamada Leitura Mental. Mas oras, essa falácia não existe. Se por um lado, falhamos em descobrir quais as reais intenções do interlocutor, a falácia da qual seremos acusados de lançar mão dependerá da nossa intencionalidade, ou seja, nada que esteja relacionado com leitura de mentes. Mas se por outro lado o problema é o mero ato de tentar dizer o que o interlocutor tem em mente, então não podemos dizer, por exemplo, que o professor do caso citado a acima desejava na verdade não recomendar o aluno.
Voltemos para um outro exemplo acadêmico. Um aluno de mestrado que defende sua dissertação perante uma banca de professores deverá passar necessariamente por uma sabatina. Se durante os questionamentos os professores ficarem pegando no pé do português mediano de um mestrando em engenharia, que mensagem podemos extrair?Se Leitura Mental é falácia, então não poderemos concluir que os professores adoraram o trabalho e estão insistindo em erros até certo ponto aceitáveis de português como forma de elogiar o aluno de maneira implícita. Mas é claro que podemos concluir isso!
As intenções de um autor são parte do discurso e podem sempre ser, se não deduzidas por completo, pelo menos especuladas de maneira razoável. E isso é algo muito importante quando queremos entender o que está sendo dito. Também é importante quando vamos avaliar a relevância das conclusões em nossas vidas e na sociedade. Portanto, não tem como afirmar que esta prática seja falaciosa. A única atitude que não podemos tomar é declarar as conclusões como verdadeiras ou falsas usando como base as intenções do autor, isso sim seria falacioso, só que não pode ser chamado de Leitura Mental.
Então deixo o convite: vamos aposentar a “falácia” Leitura Mental?
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